E 2021 chegou ao fim. Um ano de retomada, de esperança, o ano em que, finalmente, vislumbramos uma “arma” eficaz para combater um vírus que ceifou vidas e espalhou medo e incertezas pelo mundo. O futebol também viveu, de forma plena, este contexto.
Foi o ano do reencontro dos clubes com sua alma; do estádio com sua essência, sua voz. Foi, graças à vacinação, o ano do retorno do torcedor às arquibancadas. E este torcedor retornou a tempo de ser testemunha ocular do maior momento da história do Futebol Cearense. Com a Arena Castelão como um imponente salão de festas, Ceará e Fortaleza avisaram a todo o futebol brasileiro que subiram de patamar. Escapar do rebaixamento ficou pequeno, modesto. Boas gestões, responsabilidade financeira e fiscal, além de torcidas apaixonadas se transformaram e um poderoso combustível que colocou a dupla cearense na rota das competições internacionais.
Mas não só de Ceará e Fortaleza é feito o futebol cearense. Aqui é terra de uma Águia valorosa, que ultrapassou barreiras e também mudou de patamar. É lugar de um Lobo feroz, que não teve medo de expoentes do futebol nordestino e fez história indo para a Lampions. Foi um ano de glória para o futebol alencarino, em uma temporada que nasceu emendada à de 2021 devido à pandemia.
Janeiro não foi o mês de pré-temporada, foi mês de plena atividade dos clubes, que ainda encerravam o ano de 2020. Para o Vovô, o término de uma temporada de êxito, com a classificação para a Copa Sul-Americana e o décimo segundo lugar no Brasileiro. Já para o Tricolor, foi o fim de uma agonia. Mesmo perdendo para o Fluminense na última rodada, o Leão viu Vasco e Goiás caírem abraçados para a Série B e pôde respirar aliviado com a permanência. Mas ficava o alerta de que muita coisa precisava ser modificada para a temporada 2021. Ah, se os Tricolores soubessem! Mas isso a gente conta mais tarde.
Fevereiro foi o mês de iniciar a montagem das equipes para a nova temporada. O Ceará apostou alto e fez algo jamais visto no futebol local. Conseguiu desbancar grandes clubes nacionais e internacionais e renovou contrato com a grande estrela do time na temporada anterior, o meia Vina. Para deixar a torcida ainda mais motivada, o Vovô anunciou nomes que agradaram ao torcedor, como o do atacante Jael e do meia Steve Mendoza, que veio do futebol francês.
Fevereiro também foi o mês em que o Fortaleza trouxe o então desconhecido Lucas Crispim, contratado junto ao Guarani-SP. A contratação do jogador, que mais tarde se tornaria a pilastra da campanha do Leão no Brasileiro chegou a ser criticada pela torcida, que esperava um nome de maior impacto. Se eles soubessem… Ah, e o penúltimo dia de fevereiro foi também o mês de início da Copa do Nordeste. Vitória do Fortaleza por 1 a 0 diante do CRB na Arena Castelão e Ceará folgando na tabela.
Março marcou o primeiro Clássico-Rei do ano. Pela Copa do Nordeste, Vovô e Leão empataram por 0 a 0 na Arena castelão em um jogo onde, mais que nunca, o goleiro Felipe Alves, do Fortaleza, teve de ser um homem de gelo. O jogador ficara sabendo, no vestiário, da morte do pai e, sem partilhar de sua dor com ninguém, foi a campo e acabou se tornando um dos melhores homens do jogo.
Veio abril, mês que foi um marco na retomada do Fortaleza e na construção da temporada vitoriosa de 2022. Após vencer e não convencer na maioria dos jogos e de ser eliminado nas penalidades pelo Bahia, em plena Arena Castelão, o técnico Enderson Moreira era demitido do Fortaleza. Em seu lugar, assumia Juan Pablo Vojvoda, um argentino que fora vice-campeão chileno pelo Unión La Calera e que havia sido contratado após os não acertos de Ariel Holán e Fernando Diniz.
A torcida do Leão, é claro, ficou de orelha em pé com a então desconhecida contratação. Se eles soubessem… Já o Ceará de Guto Ferreira estava voando na Copa do Nordeste. Após derrotar o Vitória por 2 a 0 na Arena Castelão, o Vovô se classificou para a final da competição para tentar o tricampeonato invicto diante do Bahia.
Maio poderia ter ficado conhecido como o mês do calvário alvinegro. Foram simplesmente 3 eliminações alvinegras neste mês. Dia 8, após ter larga vantagem por ter vencido o Bahia fora de casa por 1 a 0, o Ceará foi derrotado, na Arena Castelão, pelo time baiano por 2 a 1 e acabou vendo a Orelhuda da Lampions escapar por entre os dedos ao ser superado nos pênaltis por 4 a 2.
Dia 23, foi a vez de ver o seu rival conquistar o tricampeonato cearense após segurar um 0 a 0 no Clássico-Rei. Quatro dias depois, na altitude boliviana, o Vovô deu adeus à Copa Sul-Americana ao perder por 1 a 0 para o Jorge Wilsterman. O que parecia um time dos sonhos passou a ser criticado e o então técnico do time, Guto Ferreira, antes unanimidade, foi bastante contestado por manter um esquema de poucas variações.
Junho foi o mês de um dos Clássicos-Rei mais importantes da história. Em noite inspirada, o Fortaleza goleou o Ceará por 3 a 0, na Arena Castelão e se classificou para as oitavas de final da Competição. Noite de consagração de Juan Pablo Vojvoda e de, novamente, críticas e apupos ao técnico Guto Ferreira.
No Brasileirão, o Tricolor voava. Dia 6, o Leão deu um baile no Internacional na Arena Castelão. Goleada impiedosa do time cearense por 5 a 1. Era apenas a segunda rodada, mas, naquele momento, o Fortaleza assumia a liderança do Brasileirão.
Em julho, a Série D estava a todo o vapor. Guarany, Atlético e Caucaia representavam o Estado. Enquanto o Bugre voava na primeira fase, o Atlético vivia momentos de altos e baixos. Mas quem chamava atenção mesmo era o Caucaia. A Raposa Metropolitana era o saco de pancadas do Torneio e, no dia 10, sofreu vexaminosa goleada para o Sousa-PB, por 7 a 0. Pela Copa do Brasil, o Fortaleza vencia, de virada, o CRB por 2 a 1 na Arena Castelão e iniciava com o pé direito a caminhada rumo às quartas de final.
O primeiro dia de agosto veio logo com um Clássico-Rei. Fortaleza bem na Copa do Brasil e no Brasileirão; Ceará ainda buscando se encontrar na Série A. Fortaleza favorito? Que nada! Quem fez a festa foi o Vovô, com vitória de virada por 3 a 1, gols de Lima, Clebão e um golaço do menino Rick, que, àquela altura, era o improvável artilheiro alvinegro na Série A.
Falando de Série D, agosto foi um mês de polêmica. Após nova e acachapante derrota do Caucaia na Competição, desta vez para o ABC por 9 a 1, um vereador do município, Neto do Planalto, subiu à tribuna e cobrou uma investigação sobre suposta manipulação de resultados da equipe atrelada a apostas esportivas. Apesar do barulho, a denúncia não foi para frente e o assunto foi esquecido.
Setembro foi o mês de encerramento da primeira fase da Série C. No estádio Vovozão, o Floresta venceu o Ferroviário por 1 a 0, se garantiu matematicamente na Série C de 2022 e, de quebra, fez com que o Ferrão, mais uma vez nadasse e morresse no seco, após liderar boa parte do tempo o seu grupo.
Setembro foi também o fim de uma era para o Ceará. Após derrota por 2 a 0 para o América-MG, Guto Ferreira era demitido do comando técnico do Vovô. O Gordiola esteve à frente da equipe alvinegra por 1 ano e 5 meses e conquistou uma Copa do Nordeste. Para o seu lugar, veio Tiago Nunes que, com um discurso diferente de seu antecessor, prometia um Ceará ofensivo e protagonista em seus jogos.
E o Leão, hein? Seguia fazendo história. Ao derrotar o São Paulo por 3 a 1, no dia 15, na Arena Castelão, o time de Juan Pablo Vojvoda chegava, pela primeira vez em sua história, a uma semifinal de Copa do Brasil.
Nossa história chega em outubro e com mais um time cearense fazendo história. Depois de uma primeira fase difícil, cheia de altos e baixos, o Atlético Cearense chegou às quartas de final da Série D do Brasileiro. O Adversário? A Ferroviária-SP, melhor campanha do torneio e super favorita ao acesso. E quem disse que a Águia ligava pra isso? Em tarde de gala do goleiro Carlão, o time do técnico Raimundo Wagner venceu o time Paulista nas penalidades e se garantiu na Série C em 2021.
Outubro também foi o mês da retomada. Com o avanço das vacinas e um protocolo sanitário definido, o Governo do Estado liberou o retorno do público à Arena Castelão. O primeiro time a reencontrar o seu torcedor foi o Leão, em partida contra o Atlético-GO. O placar, entretanto, jogou água no Chopp da torcida que compareceu ao estádio. Em noite de apagão leonino, o Dragão levou a melhor e venceu por 3 a 0.
Outubro, aliás, foi um mês do qual o Fortaleza não irá sentir saudades. Pelas semifinais da Copa do Brasil, o Leão foi presa fácil para o Atlético-MG e deixou o torneio com duas derrotas, por 4 a 0 e 2 a 1. Era o fim do sonho de chegar à decisão da Competição.
No penúltimo mês do ano, tivemos mais um Clássico-Rei. Um ascendente Ceará, que engrenara nas mãos de Tiago Nunes contra um oscilante Fortaleza, que, embora ocupasse a parte de cima da tabela, não reeditava seus melhores jogos. Ceará favorito? Sim, mas nem mesmo o mais otimista alvinegro imaginaria o que aconteceria na noite daquele dia 17. Arrasador, o Vovô não deixou nem mesmo o Tricolor respirar e aplicou impiedosos 4 a 0 no seu maior rival. Lima, Vina duas vezes e, pasmem: Yony González marcaram para o Alvinegro. No dia seguinte, o presidente Marcelo Paz convocou coletiva de imprensa onde pediu desculpas à torcida e disse que o sonho de vaga na Libertadores estava mantido.
Quem também estava com tudo em novembro era o radialista Evaristo Nogueira. O “Homem-Mau”, como é conhecido, estava fazendo tanto sucesso, que virou pauta no futebol nacional. Tanto que ele foi parar no programa The Noite, do SBT, comandado pelo apresentador Danilo Gentili. Um bate papo super descontraído, com direito a uma aula do que significa “refugo” e muitos casos do “blindado” Rogério Ceni.
Em novembro, quem também ficou por cima, foi um certo Lobo da Vila Manoel Sátiro. Com um time (mais uma vez) tendo como maioria os garotos da base, o Floresta derrotou o Ferroviário nos pênaltis e conseguiu uma inédita classificação para a Copa do Nordeste em 2022. Festa no CT Felipe Santiago e méritos para o promissor técnico Daniel Rocha, do time sub-20, que assumiu interinamente o time profissional e conseguiu tal façanha.
Foi em novembro também que o Campeonato Brasileiro entrou em seus momentos finais. Na Arena Castelão, o Ceará vencia o Corinthians por 2 a 1 e entrava de vez na briga por uma vaga na Libertadores. Já o Leão era derrotado pelo Santos, mas ainda estava bem favorecido na tabela. Uma vitória, na rodada seguinte, diante do Juventude, classificaria o Leão para a maior competição do Continente. As 3 últimas rodadas do Brasileirão prometiam.
Ufa! Nossa viagem chegou, finalmente, em dezembro. Alvinegros e Tricolores de todas as idades, sem nenhuma cerimônia, fazendo pedidos antecipados ao Papai Noel, sonhando com um presente em forma de Libertadores da América.
No Maracanã, o Ceará enfrentava um Flamengo ferido, que, 3 dias antes, havia perdido o título da Taça Libertadores para o Palmeiras. A atmosfera que era boa para o Vovô virou e o rubro-negro carioca derrotou os cearenses por 2 a 1. Seria preciso vencer o concorrente direto, América-MG, na rodada seguinte, para manter vivo o sonho cearense.
Agora, faremos uma pausa para um capítulo especial. O capítulo da maior façanha da história do Futebol Cearense. Um capítulo que nossos pais jamais sonharam; que nós, quando sonhávamos, geralmente éramos interrompidos por momento de lucidez a nos dizer: “Tá louco?”.
Castelão vestido de vermelho, azul e branco. Uma vitória simples diante do Juventude garantiria matematicamente o Fortaleza na Taça Libertadores da América. Um jogo renhido, com o Fortaleza claramente ansioso e o Juventude buscando os contra-ataques e jogando por uma bola. Ah, joguinho chato!
O tempo passa, a bola não entra. O relógio joga contra. O coração acelera. “Uuuuuuh!”. Os gritos de “Toca logo, p****!” e de “Era pra ter chutado, c*****!”, parecem insistir em substituir o grito de gol. O jogo se aproxima do fim. E o encontro da bola com as redes parece não querer vir. Parece! Os deuses do futebol não fariam isso com a torcida tricolor. Tinha que ser naquele dia!
Numa reposição de bola errada do goleiro Douglas, do Juventude, como se os tais deuses tivessem dado um toquinho na chuteira do arqueiro gaúcho neste momento, a bola sobrou para Valentín Depietri. Este caminhou em direção ao gol e chutou. Uma fração de segundos, mas que, na mente de todo torcedor, pareceu uma eternidade. Eternidade de silêncio, como se o universo se resumisse ao trajeto feito pela bola, dos pés de Depietri ao seu destino final.
E foi, enfim, as redes, o destino final da moça branca, tirando da garganta dos leoninos o grito de gol que ficara entalado até então. Era o gol da redenção. Era o gol que fechava, com chave de ouro, mais um capítulo de time que foi do inferno da Série C à Libertadores em 4 anos. Lágrimas, risos, abraços. O Fortaleza estava na Libertadores. Para alegria de seus torcedores que estavam no estádio, em casa, em qualquer lugar, até mesmo no céu, como os grandes tricolores Luiz Rolim Filho, Perícles Mulatinho, Carlos Fred, Albino Oliveira, e tanta gente que ajudou, ao longo de 103 anos, a construir esta rica história agora coroada sob a gestão competente de Marcelo Paz. Festa leonina e do futebol cearense também. O Natal dos Tricolores estava garantido.
O Ceará também tentou escrever, na reta final, sua epopeia de classificação à Libertadores, mas não deu. Empate em casa com o América-MG e derrota para o Palmeiras fora de casa encerraram o sonho de dois cearenses na Taça Libertadores em 2022. A Sul-Americana é o destino dos Alvinegros. Uma competição que também tem seu grande valor.
O último ato do futebol cearense em 2021 não podia ser de outra equipe. Em um Castelão lotado, o Fortaleza venceu o Bahia por 2 a 1, garantiu vaga na fase de grupos da Libertadores (estava garantido, até então, na pré-Libertadores) e alcançou a melhor colocação de um clube nordestino na era dos pontos corridos, um quarto lugar.
No fim do jogo, a torcida, tão presenteada durante o ano, retribuiu: um festa de luzes em vermelho, azul e branco, vinda das arquibancadas foi o “muito obrigado” dos leoninos ao histórico Fortaleza 2021 pelo maior momento de sua existência.
E assim foi escrita a última página do livro do futebol cearense em 2021. Um livro que, sem dúvida, é um dos mais ricos e bonitos de toda prateleira. Um livro de conquistas, feitos e crescimento. O livro de 2022 ainda nem começou a ser escrito, é bem verdade. Mas, alguém tem dúvidas de que será mais um livro recheado de grandes histórias e com capítulos que serão indeléveis para alvinegros, corais, tricolores, alviverdes e torcedores de todos o times? E nós, cronistas, dirigentes, atletas, torcedores… nós teremos o privilégio de ser personagens vivos destas linhas que estão por ser escritas. Seremos parte desta história e teremos história para contar. Que venha 2022!