Primeiro árbitro cearense a conseguir o tão sonhado escudo FIFA, Dacildo Mourão foi o convidado do Papo Campeão desta sexta-feira (26). Em entrevista ao jornalista Kaio Cézar, Dacildo falou sobre sua origem, que tentou ser jogador, mas, justamente quando buscava o sonho, foi seduzido por outra função ligada à bola: a arbitragem. Ele também avaliou o nível da atual arbitragem brasileira e cearense, revelou histórias de bastidores e não poupou críticas à utilização do VAR.
Em quase uma década como árbitro, Dacildo apitou jogos importantes no Brasil e na América do Sul. O cearense, que ficou conhecido como excessivamente rigoroso, se defende da fama de distribuidor de cartões argumentando que foi apenas um seguidor ferrenho da regra do futebol. Pelo rigor com que seguia estas regras, Dacildo já se envolveu, inclusive, em polêmicas, como a que foi chamado de “Paraíba” pelo ex-atacante Edmundo, em 1998, mas também recebeu elogios públicos de grandes nomes do futebol do país, a exemplo do já falecido ex-treinador do São Paulo, Telê Santana.
O Portal Torcida K separou alguns trechos da entrevista de Dacildo Mourão ao Papo Campeão. Confira alguns momentos desse papo super descontraído e que, claro, também teve declarações sinceras e polêmicas.
VAR: ajuda ou atrapalha?
“Eu sempre fui contra, sabe por qual aspecto? No aspecto que, hoje, está mais dando dor de cabeça, que é a interpretação. Acho que o VAR não era pra entrar em interpretação. Deixa que o árbitro se vire lá embaixo. No jogo do Fortaleza ontem, tudo bem que o jogador meteu a mão na bola e o árbitro não viu. Aí até se admite porque foi um lance claro, o jogador do Fortaleza meteu as duas mãos na bola, mas aquelas besteiras que o VAR fica atrás, aquilo não existe. O VAR foi feito pra ir atrás de elefante, não de formiga. Aí só fica atrás de formiga, isso não existe”.
Gaciba “fritado” do comando da arbitragem brasileira
“O Gaciba, ele foi fritado. O que é fritado? Lá dentro da CBF tem umas correntes da arbitragem, que cuidam da arbitragem, que eles fazem o que querem. Porque a arbitragem não é só o Gaciba não, tem umas 20 pessoas, pra você ter ideia. Então, o trabalho do Gaciba era em conjunto com outras pessoas, e aí houve muita discordância e o Gaciba teve que cortar a cabeça dele. O momento foi oportuno porque houve muitos erros, como aquele do Bahia. É como um time: tá perdendo, tira o técnico e bota outro”.
Trocou sonho do futebol pela arbitragem
“Eu venho de uma família de jogadores. O Newton Albuquerque [irmão de Dacildo] foi goleiro do Ceará, era o mais velho aqui de casa; o Dário, meu outro irmão, foi goleiro do Fortaleza; Outro irmão meu jogou várzea e eu comecei a brincar aqui no campo do Ferroviário perto da minha casa, fui da escolinha do Sesc e meu técnico era o Manuel Araújo, e foi ali que eu comecei a ser árbitro. Eu fui pra escolinha de jogador e saí pra escolinha de árbitro. Lá tinha o campeonato das indústrias e, como eu moro ali vizinho, eu ia com o apito e ficava apitando. Comecei com 14 anos, bandeiraNdo, e depois fui apitar. Aí com 18 anos eu fui e fiz o curso da Federação”.
Jogo mais importante da carreira
“Hoje mesmo eu tive com um amigo e ele me perguntou: ‘qual foi o jogo mais importante que você apitou?’. Aí eu disse que o jogo mais importante que eu apitei foi Chile x Argentina, valendo vaga pra Copa, em 1997, que era pra Copa de 98, aí a Argentina ganhou de 2 a 1 lá dentro do Chile, no pé da Cordilheira dos Andes, um frio enorme. E eu disse pra ele: ‘e está no YouTube!’. O camarada botou lá ‘Chile 1×2 Argentina 1997’ e apareceu lá o jogo. Hoje tem tudo no YouTube, né?”
Coragem pra apitar e tentativa de intimidação de Paulo Nunes
“Eu estava apitando a final da Copa do Brasil de 97 entre Flamengo e Grêmio. Com 20 minutos, eu expulsei um jogador do Grêmio chamado Dinho, que batia demais, jogou até no Ceará depois. Aí o tempo fechou. O Flamengo, naquele tempo, era o do ataque dos sonhos, com Sávio, Romário e Bebeto. Aí o Paulo Nunes chegou pra mim e disse: ‘Dacildo, como você faz um negócio desses, expulsa nosso jogador com 20 minutos? Você não tem medo dessa torcida, não?’. Aí eu disse pra ele: ‘Paulo Nunes, não tenho medo não, se for de morrer é bom porque a gente só morre uma vez’. Aí ele viu que eu não tinha medo. O jogador, ele testa o árbitro. No jogo agora do Ceará com o Corinthians, o Corinthians fez rodízio de reclamação, é impressionante, é uma estratégia deles. Eu apitei 3 anos na Federação Paulista e lá eles traziam treinadores para palestrantes para a gente, traziam Leão, Luxemburgo. Aí o Luxemburgo chegou pra mim e disse: ‘Dacildo, quando eu sei que é você que vai apitar nosso jogo, eu já digo pros meus jogadores que não reclamem com ele, porque esse daí é doido’ (risos)”.
Elogios do “Mestre Telê”
“Eu estava apitando um jogo Paysandu x São Paulo, lá em Belém. Aí, quando terminou o jogo – foi 0x0 – ele disparou na minha direção e naquela época os radialistas entravam em campo, com aqueles microfones na mão e também tinha o jornal de papel, como a Folha, o Estadão. E naquela hora ele foi até mim e encheu minha bola. Disse que foi a melhor arbitragem que ele já viu aqui no Nordeste, e aquilo foi decisivo pra eu entrar na FIFA. Depois daquilo, eu fui apitar um jogo Vasco x São Paulo, lá no campo do Vasco, aí com 30 minutos do segundo tempo eu marco um pênalti pro Vasco. Aí o Valdir Bigode faz e o São Paulo perde o jogo. No final da partida, ele [Telê], passa por mim e diz: ‘você fez certo, nós perdemos mas você acertou’. Telê era um cara muito consciente”.
Expulsou o próprio irmão
“Teve um jogo, Ceará e Fortaleza, era decisão de turno do Campeonato Cearense, em 1996. Aí o presidente da Federação Cearense, o saudoso Fares Lopes, me ‘adulou’ pra eu apitar esse jogo e eu não queria porque, nesse tempo, eu apitava Campeonato Paulista e eu estava cansado, lá tinha muito campo duro, eu estava com o joelho doído, mas ele disse que Ceará é Fortaleza queriam que eu apitasse. Eu ainda disse ‘não posso, o técnico do Fortaleza é meu irmão, como eu vou apitar?’, mas ele disse que não abria mão, que Ceará e Fortaleza me queriam. Aí teve um gol anulado do Fortaleza pelo Márcio Torres [auxiliar] e o presidente do Fortaleza era o Sousa Filho, da Rádio Assunção. Aí ele deu uma carreira no Márcio Torres, foi uma confusão, e o Newton [Albuquerque, treinador do Fortaleza e irmão de Dacildo] veio me xingar e disse ‘Seu fela da p***!’. Então eu disse ‘ela é sua mãe também!’, chamei o Sargento e mandei botar ele pra fora de campo. Comigo não tinha isso não , podia ser irmão quem for, eu não queria nem saber. Quando cheguei em casa, minha mãe, que ouvia ao jogo no rádio, disse ‘que confusão foi aquela? Meteram até meu nome no meio’ e eu disse ‘foi seu filho mais velho, que é mal educado e eu botei pra fora de campo’. Mas depois tudo ficou bem.. No futebol, a discussão é só na hora”.
Polêmica com Edmundo: “Paraíba!”
“Foi no jogo América-RN x Vasco, no Rio Grande do Norte. Quando eu o expulsei foi num segundo cartão amarelo. O jogador vinha num ataque promissor e ele puxou a camisa. É a regra! Aí eu não ouvi nada, ele não disse nada pra mim. Eu soube pela reportagem da Globo. Ele saiu de campo me xingando. Xingando não, chamado de Paraíba, aí é besteira. E foi uma confusão danada, onde eu citei em súmula, muitos paraibanos entraram com processo contra ele, me perguntaram se eu iria entrar também e eu disse que não. Meu negócio é dentro do campo, fora dele tem o STJD pra julgar. O interessante é que uma semana depois, fui apitar Vasco x Santos em São Januário, pela Copa Conmebol. Quando eu chego no vestiário, estava o Tino Marcos pra fazer uma reportagem porque o vestiário estava cheio de fotos do Edmundo. Foi o Eurico Miranda, ele era perturbado e encheu o vestiário de fotos do Edmundo. Mas entrei em campo, cumprimentei o Edmundo normalmente e não houve nenhum problema. O árbitro não pode levar nada de um jogo pro outro. Terminou o jogo, faz a súmula e pronto. Se ele tivesse feito de novo, era vermelhão de novo. Mas ele ficou bem quietinho”.
Bom árbitro x Mau árbitro
“A diferença do bom árbitro pro mau árbitro, não se engane não, é a disciplina. Porque faltinha, todo mundo marca, até o torcedor da arquibancada. Mas quando o jogo exige, aí é que vai saber quem é quem”.
O Papo Campeão é apresentado todas as sextas-feiras, ao vivo, no canal da Torcida K no YouTube. O áudio também fica disponível nas principais plataformas de podcast e na programação da Rádio Torcida K.