Reza a lenda que, a certa altura da vida, a águia passa por um sofrido período de renovação. Neste processo, ela vive momentos de isolamento, dor e fragilidade. A resiliência em suportar todas estas dificuldades, entretanto, permite que ela consiga ressurgir renovada, mais forte, pronta para novas jornadas e voos bem mais altos.
A lenda da águia, por simples coincidência ou talvez por capricho dos deuses do futebol, é uma analogia perfeita para a saga do Atlético Cearense, cujo mascote é justamente a ave, em sua caminhada de sacrifícios e percalços na Série D deste ano. Assim como o animal da lendária história, toda resiliência e todas as dificuldades enfrentadas pelo time na competição tornaram a equipe mais forte e fizeram-na ressurgir renovada, para seu voo de glória.
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A caminhada não foi fácil. Como quase todos os clubes de menor porte do futebol, o Atlético sofreu com a pandemia da Covid-19. Poucos recursos, elenco enxuto e tendo de abrir mão de alguns recursos importantes para se estruturar uma equipe, o time da Lagoa Redonda chegou ao ponto de não ter atletas até mesmo para realizar um treinamento coletivo e chegou a ir para jogos sem um banco de reservas completo. Foi aí que, em uma verdadeira força-tarefa, diretoria, atletas, staff, funcionários e até mesmo torcedores se uniram em prol de subir a equipe para a Série C, superando até mesmo os obstáculos da falta de uma estrutura ideal para o futebol. Deu certo.
Herói da conquista do acesso da Águia da Precabura, o goleiro Carlão, por muitas vezes, pareceu mesmo ter asas em suas costas. Não raramente, o arqueiro atleticano teve de realizar voos debaixo das traves para manter a equipe viva na Competição. Foram defesas salvadoras durante todo o torneio e duas disputas de penalidades, na segunda fase e nas quartas de final, onde ele foi as mãos salvadoras que permitiram que o sonho do acesso se mantivesse vivo. Em entrevista exclusiva ao Portal Torcida K, o jogador falou sobre a caminhada na Série D, a força da família durante o percurso, a chance de reescrever sua história e sobre seu futuro na Águia da Precabura.
Torcida K – Carlão, o que o acesso do Atlético representa para a equipe e para você? Vocês imaginaram que chegariam tão longe?
Carlão: Esse acesso veio para coroar o grande trabalho feito aqui no Atlético. O Atlético é um clube que vem crescendo no Campeonato Brasileiro. Esse ano, foi feito um planejamento para a Série D, não se imaginaria que se iria chegar na grandeza que chegou, mas é uma equipe que é bem organizada, tem um trabalho honesto, a diretoria dá muito respeito ao jogador, a gente tem uma comissão muito competente, então acredito que esse acesso veio para coroar e a gente fica feliz em fazer parte dessa história. Fico feliz em marcar meu nome no clube. Eu, pessoalmente, estou muito feliz. Acredito que uma das melhores fases da minha carreira eu estou vivendo aqui no Atlético, então tenho que ser grato a Deus, grato ao Atlético por ter aberto as portas, por esse acesso que veio coroar todo nosso trabalho, toda nossa dedicação do começo do ano até aqui.
TK – A pandemia também afetou o Atlético? Como vocês conseguiram superar as dificuldades impostas por ela?
C – Infelizmente, não afetou só o futebol, e, como no geral, a situação financeira não ficou tão boa, principalmente nos clubes intermediários, onde teve que passar por muita dificuldade. Aqui não foi diferente. A gente que estava aqui desde o começo sabe como foi difícil, como tá sendo difícil devido a essa pandemia, que apertou muita coisa, mas o grupo se abraçou, se fechou, a gente focou em um só objetivo que era o acesso, porque a gente sabia que, com esse acesso, a gente poderia ter coisas boas, poderia também trazer melhorias para o clube, onde sabia que o clube iria ter visibilidade, e também chegar pessoas para agregar, onde poderia ter patrocínio e isso foi o nosso pensamento. Com toda dificuldade, com tudo o que o clube já passou, a diretoria nunca deixou faltar nada, com a correria, com todas as dificuldades, sempre tentou dar o mínimo possível para que não atrapalhasse o nosso trabalho e a gente foi honrado com esse acesso. Deus nos colocou essa bênção, porque ele viu a nossa luta, a nossa batalha e a gente só tem que glorificar a Deus, porque nossa luta foi grande, mas nossa vitória foi maior.
TK – Qual o momento mais difícil que vocês viveram na competição? Aquele momento em que surgem dúvidas de que daria certo.
C – Eu acredito que o momento mais difícil da Competição foi no começo, onde a gente teve uma desmontagem de elenco depois do estadual, pela campanha que fizemos, onde saíram muitos jogadores e os que saíram não tiveram peça de reposição. Isso complicou muito. Tivemos nossa estreia perdendo, no segundo jogo não vencemos e aí começou aquela dúvida e o grupo muito reduzido… Chegou a uma situação de não ter jogadores nem para completar um treinamento coletivo, chegou situação da gente viajar para jogar com jogadores que nunca tinham atuado, jogadores novos, que nunca tinham jogado nem no sub-20 e estavam tendo aquela oportunidade. Já fomos só com dois jogadores no banco, dois goleiros no banco, então eu me vi numa situação muito complicada e, no momento, bateu alguma dúvida e uma incerteza se a gente ia conseguir se classificar nessa primeira fase, se tudo isso que a gente planejou ia dar certo, mas, graças a Deus, Ele nos deu sabedoria e a gente conseguiu reverter a situação com a chegada dos jogadores que estavam na equipe do Horizonte. Isso fortaleceu o grupo, nos deu outra energia, outra motivação e, quando esses jogadores chegaram, eles agregaram com aqueles que aqui estavam. A caminhada continuou e, quando a gente abriu os olhos, a gente já estava classificado em um grupo muito difícil, tão difícil que, dos quatro que se classificaram do grupo, três subiram.
TK – Já que falamos em momentos difíceis, vamos falar também do momento em que você sentiu que o acesso era de vocês. Que momento foi esse?
C – Quando a gente passou daquele mata-mata da Juazeirense, que ninguém imaginava que íamos passar, aquela conquista nos fortaleceu muito, deu muita confiança na nossa equipe e, quando a gente teve o segundo mata-mata contra o Paragominas, a gente já estava uma equipe mais forte, mais concentrada, e aí eu tive a certeza de que, com aquele grupo, forte e unido, a gente não perderia o acesso e isso foi comprovado.
TK – Diante de tanta dificuldade, qual a primeira coisa que passou na sua cabeça no momento em que você pegou o pênalti decisivo, que encerrou a partida? O que te veio na mente naquele momento?
C – Tudo aqui no Atlético, desde o início, foi de muito sofrimento; mesmo na hora do último pênalti, que eu defendi, ainda teve que chamar o VAR… Mas quando Deus coloca a mão, ser humano nenhum tira. A ficha nem caiu ainda. Eu só tive pensamentos de gratidão, de gratidão à minha família, pessoas que realmente torcem por mim, que no momento bom ou no momento ruim estavam do meu lado, a turbulência que eu passei, que eu tive que suportar e passar aqui no Atlético e na hora que eu vi que acabou mesmo, a gente fica de alma limpa, porque sabe que conseguimos o objetivo maior do clube. Pra mim, ali, eu só pensei muito em todas as dificuldades que eu passei, pensei muito na minha família, na minha esposa, filhos, meus pais e nas pessoas mais próximas que me abraçam tanto nas vitórias quanto nas derrotas e ali eu só desabei. Até agora ainda não caiu a ficha, eu não vejo a hora de chegar em casa e abraçar minha família, que me acompanha no dia a dia, que me suporta, porque eu sou um cara que não gosto de perder, não sei perder e quando eu perco eu passo noite sem dormir, e já quero ir treinar no outro dia, corrigir… Nessa turbulência que a gente passou ali no começo, ela [família] estava ali dando força e agora, nesse momento de felicidade, quero estar perto dela pra comemorar.
TK – Você foi o grande nome do Atlético na competição, mas, claro, não chegou aí sozinho. Como foi esse trabalho e que pessoas te ajudaram nessa construção?
C – Eu converso muito com o Jéfferson [goleiro reserva do Atlético], é um cara com quem eu tenho liberdade, que eu dou conselho, pra mim um goleiro promessa, muito bom e que eu acredito que vai dar muitos frutos aqui no futebol cearense. É um cara que, no dia a dia, a gente troca ideia, eu tento fazer ele evoluir, eu tento mostrar pra ele que ele tem que me fazer evoluir, que ele tem que treinar melhor que eu, eu tenho que olhar pra ele e saber que se eu não treinar melhor que ele, ele vai jogar e, nessa troca, a gente cria evolução, a gente melhora nosso nível. Tenho que dar os parabéns não só ao Jéfferson, mas ao Raí, que também está no dia a dia, ao Tiago também, ao Thalison, treinador de goleiros, então esses caras são muito importantes. Todo esse sucesso que estamos tendo, passa por cada um deles.
TK – Em 2019, você bateu na trave com o Floresta. Esteve no mata-mata do acesso, mas não conseguiu subir. Esse acesso reescreve a tua história na Competição?
C – Em 2019, eu tive a oportunidade de buscar o acesso, infelizmente não consegui, jogando pelo Floresta. Ficou um sentimento ruim, que nós jogadores não gostamos de sentir, porque trabalhamos para chegar, para conquistar, pra marcar uma história no clube e quando isso acontece é normal a frustração, a tristeza, mas fiquei também muito feliz por ter mais essa oportunidade com a equipe do Atlético e graças a Deus, consegui esse acesso. Pra mim foi muito importante, porque não consegui conquistar esse de 2019 e Deus me deu mais uma oportunidade e aí, dessa vez, eu consegui esse acesso. Pra mim foi algo muito especial. Hoje, eu posso dizer que deixo meu nome marcado na história do Atlético.
TK – Você é um cara muito família. Qual a importância da tua família e da família dos outros jogadores neste acesso?
C – Família é minha base de tudo, é meu alicerce, é o que me sustenta. Eu sou um cara muito reservado, procuro sempre estar com a minha família, gosto de estar com a minha família, com minha esposa, meus pais, meus irmãos. Pra mim, família é tudo. São as pessoas que, no bom e no ruim, estão ao nosso lado. Primeira coisa que eu fiz no vestiário foi ligar pra minha esposa [Fernanda], meu filhos [Luan e Lorrane] morrendo de felicidade, chorando de alegria, porque eles sabem das dificuldades que passamos até chegar aqui, o que tivemos de aguentar até chegar aqui, eles sabem a importância desse acesso pra mim. Eu falei pros caras [jogadores] que a gente podia não ter uma torcida imensa, como alguns times que estavam disputando o acesso, mas a gente tinha uma torcida gigante, que era nossa família, e ninguém ia tomar aquele acesso nosso porque a primeira coisa que a gente ia fazer depois do jogo quando chegasse no vestiário era ligar pra nossa família e dizer “Conseguimos!”. E foi isso que todos fizeram. Todos ligamos pra nossas famílias, chorando um choro de alegria, Nossa… aquele sentimento ali é um sentimento que nada paga, é um sentimento de alegria, que todos os jogadores querem ter e que a gente foi honrado, foi glorificado por Deus para ter esse sentimento.
TK – Você foi um dos grandes destaques dessa Série D. Isso volta os olhos do mercado para você. Como fica o futuro do Carlão no Atlético?
C – Quando se tem uma conquista, quando você consegue fazer um trabalho, você cria bons olhos em outras pessoas, outros clubes, mas a minha cabeça tá focada aqui, eu tenho contrato com o Atlético até o próximo ano, é um clube que me abriu as portas, um clube que eu aprendi a gostar, a amar. O Atlético me deu muitas alegrias, é um clube que me proporcionou muitas alegrias, muita liberdade para trabalhar. Eu tenho interesse de ficar, principalmente depois de uma conquista dessas, eu pretendo ficar, agora vai depender também do clube, depender de muitas coisas que vão acontecer, mas vamos entregar isso nas mãos de Deus, não é momento de ficar pensando nisso, até porque eu não estou pensando em nada disso. Meu pensamento é chegar na final, ser campeão e ainda tem uma Taça Fares Lopes pra disputar, então é ganhar a Fares Lopes, chegar no final do ano com essas conquistas. Aí eu vou entregar nas mãos de Deus, porque entregando nas mãos de Deus, estará bem entregue e ele saberá onde vai me colocar. Se for pra ficar aqui, eu vou ficar; se for pra sair, eu vou sair. Uma coisa que eu tenho em mente é fé e que sempre Deus me colocou no lugar certo. Eu sou um cara abençoado, estou sendo até hoje, porque eu sempre pedi a Deus pra que ele me colocasse no lugar que ele achasse melhor, então eu entrego na mão de Deus. Tenho até o final do ano essas competições que eu pretendo brigar e lutar para conquistar tudo.